O ESPORTE E A MÍDIA
Introdução
Mesmo sabendo que não se pode estudar o esporte, enquanto fenômeno
sócio-cultural, isoladamente, sem levar em conta os fatores econômicos,
políticos e sociais que o influenciam, o objetivo é tentar estudar,
principalmente, esse fenômeno e sua relação com a mídia, conseqüentemente, sua
relação com o sistema econômico vigente, o Capitalismo.
“Os
programas esportivos são hoje, no mercado televisivo, um aliado das redes de
televisão, fator importante na audiência das emissoras. Observa-se, então, um
crescimento na divulgação desses programas em todo o mundo, principalmente pelo
esporte espetáculo” (DURÃES; FERES NETO, 2004).
A
mídia atua na formação e disseminação da visão do esporte que é passada
atualmente para a sociedade: o esporte como espetáculo, como possibilidade de
ascensão sócio-econômica (entenda-se melhoria da qualidade financeira e status
social), como mercadoria e consumo.
A
mídia vai atuar, de forma decisiva e importante, como principal alicerce do
sistema Capitalista, produzindo e justificando como verdadeira essa idéia de
esporte, “(...) já que as mídias [escrita e falada] são atualmente as
principais fontes de produção e transmissão de formas simbólicas e construção
de sentidos no mundo de hoje” (BETTI, 2004).
O
esporte tem sua manutenção efetivada através da influência da mídia, esta não
está envolvida apenas na sua transmissão, mas também na produção, transformação
e ressignificação.
A visão de esporte
imposta pela mídia
Atualmente, principalmente em países subdesenvolvidos, as pessoas não dispõem
de grandes oportunidades para melhoria da qualidade de vida. Nesse ponto, o
principal papel da mídia é mostrar para a sociedade o esporte como uma forma
rápida, sem muito esforço e/ou prazerosa da tão sonhada oportunidade de melhoria
sócio-econômica.
A
mídia aliena a sociedade ao produzir e divulgar a visão de que as pessoas
conseguirão “salvação” através do esporte, ao procurar inocular que o esporte é
um fator de mudança social, (...) “o sistema [“Globo-Record-Band”] de mídia têm
como função basilar a criação de uma geração composta de gente passiva, gente
que não pensa ou que pensa uma realidade que não é a sua realidade” (FREITAS,
1991, p. 36).
À
medida que a mídia vai promovendo mais e mais a repetição deste pensamento, a
sociedade vai aceitando e encarando-o como verdadeiro. “Para tanto, a indústria
midiática contribui decisivamente, pela força do apelo imagético e por seu
efeito multiplicador, para que estas interpretações se tornem ‘familiares’ e
sejam incorporadas à cultura esportiva” (PIRES, 2005, p. 115).
Por
sua vez, o Capitalismo impõe que as pessoas estejam sempre buscando a melhoria
de sua situação financeira. Sendo assim, o papel da mídia é mostrar e idolatrar
alguns pouquíssimos atletas que conseguem obter sucesso através do esporte e
fazer com que estes passem a servir como modelos para outros milhões de pessoas
que tentarão em vão este mesmo sucesso.
Senão vejamos, pegando como exemplo o futebol brasileiro. Quantos jogadores
existem atuando profissionalmente nos vários clubes pelo país? Quantos
conseguirão jogar em grandes clubes? Quantos conseguirão se tronar famosos e
ricos? Quantos conseguirão jogar em clubes europeus ou na seleção brasileira?
Um
fator importante que ocorre para este fenômeno acontecer é o valor pago nas
transações (vendas de atletas, salários), principalmente no caso do futebol.
São cifras milionárias, muita badalação e propaganda em cima desses jogadores.
Este fato faz com que muitas pessoas desejem este sonho, no entanto, estes
outros certamente não conseguirão o mesmo sucesso, mas continuarão
ilusoriamente tentando. E, pior que isso, a mídia tenta mostrar que todas as
pessoas têm possibilidades iguais de conseguir esse sucesso.
Analisando a afirmativa de Kenski (1995), a autora diz que “o atleta super star
é valorizado comercialmente como espaço publicitário por onde podem ser
veiculadas as mensagem dos patrocinadores. Divulga-se o campeão e, junto com
ele uma imagem símbolo, valorizada socialmente, de saúde, força, poder,
[dinheiro, fama], vitória e prestígio”.
Assim, a mídia, como aliada do Capitalismo, utiliza este atleta campeão como
parâmetro de sucesso para a sociedade. As empresas o utilizam para fazer
propaganda de seus produtos e aumentar suas vendas. Por sua vez, a população
acaba procurando e comprando os produtos anunciados pelo atleta campeão. Não
significa que isto não possa ou não deva de forma alguma ser feito, significa
que o esporte não pode ser resumido a isso e utilizado apenas pra esse fim,
apenas com interesses econômicos.
Nesse panorama podemos destacar:
A
decisiva influência das mídias (em especial a televisão), no direcionamento de
tendências da cultura corporal de movimento, com importantes repercussões para
a Educação Física, entendida esta, tanto como área de conhecimento, como de
intervenção profissional. São essas tendências: (I) novas esportivações -
fenômeno que tende a assimilar diversas formas da cultura corporal de movimento
ao modelo do esporte espetáculo; e (II) progressiva clivagem do esporte
telespetáculo das demais formas da cultura esportiva, cunhada pelas mídias e
pelas grandes corporações econômicas, as quais, cada vez mais, assumem o
gerenciamento do esporte como espetáculo televisivo; essa tendência distancia,
na sua forma (embora não no seu simbolismo)
o esporte telespetáculo do esporte praticado em contextos de lazer, educação e
saúde (BETTI, 2004).
Podemos perceber que atualmente na mídia há uma predominância quase total do
“Esporte Rendimento’’ (ou “Esporte Espetáculo”) em detrimento do “Esporte Saúde
e/ou Social’’. Pouco se vê reportagens falando sobre os benefícios de
determinado esporte para a saúde, ou, raramente se vê alguma reportagem falando
sobre algum projeto social esportivo e mostrando os benefícios sociais do
esporte, como inclusão, integração, socialização, fuga do mundo da
criminalidade...
Quando algo parecido com isso aparece nos programas esportivos, é alguém que
veio de origem humilde e que conseguiu se tornar um bom atleta, um campeão.
Assim, fala-se de sua vida sofrida, dos obstáculos vencidos e de como obteve
sucesso... Apenas do conto de fadas!
Nesse caso, a mídia afirma que qualquer pessoa pode ter sucesso através do
esporte, inclusive as de origem mais humilde. Isso, sem dúvida, é pura ilusão.
Um ou outro conseguem, no universo de milhões. As pessoas não têm chances
iguais, principalmente as menos favorecidas economicamente. No entanto, outros
inúmeros milhões de pessoas, principalmente estas de origem mais humilde,
cultivarão e correrão atrás deste mesmo sonho irrealizável para ver se
conseguem deixar a pobreza.
Para termos uma visão geral da idéia do esporte no mundo capitalista e entender
porque isso acontece, analisemos a afirmativa abaixo:
A
mídia televisiva se alia aos outros meios de comunicação para explorar a imagem
do sucesso esportivo do momento e consumi-la como mais um produto descartável.
Os patrocinadores, por sua vez, investem no sucesso destes programas - e das
equipes e jogadores bem sucedidos - para divulgar e vender mais os seus
produtos. Os clubes, as equipes, os jogadores e atletas, por sua vez,
aproveitam as chances de aparecer diante da grande massa de telespectadores
para se tornarem mais conhecidos, mais populares, garantirem patrocínio e
auferir maiores lucros, é claro. Aparentemente todos lucram, todos ficam
satisfeitos. A ética esportiva alterou-se do ideal de que "o importante é
competir...". Transformou-se em um novo ideal em que "tão importante
quanto vencer, é ser conhecido, ser famoso, aparecer, lucrar..." (KENSKI,
1995).
Acrescento ainda que tudo isso seja passado para a população com uma idéia
alienante, uma forma de espetáculo e diversão (uma nova política romana do “Pão
e Circo”) para tentar amenizar os gravíssimos problemas sociais. Assim, o Capitalismo
usa a mídia e o esporte para a criação, disseminação e a manutenção de uma
ordem social perversa e excludente.
Freitas (1994) diz que o sistema televisivo compõe uma trama alienante de
grande magnitude, implicitamente trabalhada em aspectos puntiformes da
realidade, que são transmitidos como se fosse a própria realidade. Segundo,
Sodré (apud FREITAS, 1994), através da mídia o indivíduo pode ser controlado à
distância, sem imediatez concreta da força física porque ele próprio se
controla graças à interiorização de normas e valores que constituem a moral, os
interesses, o modo organizacional da vida capitalista e que são passados
através da mídia.
O
espetáculo esportivo, que antes acontecia apenas para o deleite das
arquibancadas, foi globalizado. A televisão multiplicou a platéia de milhares
para criar a audiência e o mercado de milhões (...). A indústria do esporte
cresceu e com ela a qualidade dos eventos e dos equipamentos esportivos. Os
espetáculos esportivos estão cada vez mais elaborados, cada vez mais
espetaculares e, ao mesmo tempo, mais ajustados ao formato exigido pela mídia.
O esporte foi metamorfoseado definitivamente pelo dinheiro. Modificou-se tudo
que foi necessário para seu novo formato, desde o ideal até as regras. Uma nova
equação foi produzida: espetáculo esportivo mais mídia é igual a lucros
milionários (PILATTI; VLASTUIN, 2004).
Podemos perceber que atualmente não é a mídia capitalista que se adéqua ao
esporte, é o esporte que tem, por obrigação, que se adequar à mídia. Os eventos
esportivos devem ser transmitidos sempre naqueles dias e naqueles horários
previamente determinados, então os calendários e/ou tabelas de jogos e
competições são feitos com bases nesses horários.
Está na cobertura esportiva a chave para desmontar uma das charadas do
jornalismo em televisão. (...) O telejornalismo promove – financia, organiza e
monta – os eventos que finge cobrir com objetividade. É no esporte que esse
fenômeno é mais transparente. (...) As técnicas jornalísticas, dentro das
coberturas do esporte pela TV, são cada vez mais uma representação. Aquele
espetáculo que aparece na tela não é uma notícia conseguida pela reportagem,
mas uma encomenda paga (BUCCI apud PIRES, 2005, p. 115).
A
cada dia que passa, o esporte fica mais dependente da mídia e do dinheiro e vai
deixando de lado suas características essenciais e benefícios para se adequar
ao mundo capitalista. Ele vai ficando em segundo plano diante do que as pessoas
julgam mais importantes: a vitória (a qualquer custo e usando até de meios
ilícitos - doping), o dinheiro, o sucesso, a propaganda...
Assim, a mídia exalta exacerbadamente o campeão e deixa de lado o competidor
que não conseguiu obter êxito. Paralelamente, força-o a buscar a vitória custe
o que custar (até usando meios ilícitos) para se enquadrar no modelo de esporte
atual, onde apenas o campeão tem valor.
Para concluir, observa-se que, à medida que os trabalhos de abordagem teórica
crítico-reflexiva sobre as relações entre mídia e as diferentes manifestações
da Educação Física vão se ampliando, diversificando e aprofundando, mais visível
se torna a ausência e ainda mais necessária se faz a produção de estudos que
formulem e experimentem propostas metodológicas de trato pedagógico sobre o
tema (...) (BETTI; PIRES, 2005, p. 287).
Reflexões
Acredito que devemos mudar nosso pensamento e a nossa cultura social em relação
ao esporte. Como querer implantar esporte de rendimento numa população como a
brasileira, onde a maioria da população é pobre e se alimenta mal? Alguns podem
até dizer que isso é possível para os que têm condições. Então, nesta perspectiva,
o esporte se tornará excludente.
Devemos fornecer esporte para a população, primeiramente, como promoção da
saúde e do bem-estar, como uma cultura de lazer. Posteriormente, poderemos
pegar as pessoas que realmente querem e/ou se destaquem para treiná-las e para
competirem. Por que devemos, necessariamente, desde a infância, treinar as
pessoas para competir? Esse pensamento é apenas cultural!
O
Brasil é o segundo país do mundo em cirurgia de redução de estômago (perde
apenas para os EUA), isso deve-se ao fato do número de obesos estar crescendo
rapidamente. Por que não aproveitamos os benefícios da atividade física para a
melhoria da saúde dessas pessoas? Ou para qualquer outro tipo de doença?
A
maioria da sociedade certamente não tem capacidade para entender e refletir
sobre estas questões filosóficas envolvendo o esporte e sua relação com o
mundo. Então a responsabilidade desse feito é e recai sobre os professores.
Estes sim, têm, ou pelo menos deveriam ter, uma formação acadêmica de qualidade
e crítica onde fossem capazes de entender esta e outras realidades e propor
mudanças, entendendo o esporte como fenômeno sócio-cultural e sua relação com
os aspectos econômicos, políticos e sociais. E por que isso não acontece?
Por
qual motivo, com todos esses problemas, continuamos a investir e admirar uma
cultura esportiva apenas voltada para o rendimento e a competição? Vamos apenas
afirmar que o esporte é um fator de inclusão social e ficarmos apenas no
discurso? Até quando vamos ficar com o enredo pronto e o discurso vago de que o
esporte serve para melhoria da qualidade de vida, do bem-estar, redução do
stress, etc, etc, etc, etc? Vamos continuar assim, sem fazer nada e fazendo de
conta que não temos gravíssimos problemas sociais? Por que vamos continuar a
sermos hipócritas e falar sobre uma Educação Física enquanto fazemos outra
completamente diferente?
Antes de tudo, é preciso que tenhamos pensamento crítico, que saibamos enxergar
a realidade de maneira global e os vários aspectos que a influenciam. Sei que
esse tema é amplo e não se esgota aqui, é preciso muitas reflexões e estudos
sobre a área e, principalmente, é preciso que, nós professores, reflitamos em
qual sociedade estamos inseridos e que sociedade queremos construir (ou
reconstruir).
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