DIMENSÕES DO ESPORTE
Deve-se compreender o conceito e a
prática do esporte em suas três dimensões: educacional, de participação e lazer
e de rendimento;• Compreender que o esporte escolar, na atual estrutura
piramidal, deve ser reformulado.
Torna-se importante destacar que tais
princípios do esporte de rendimento podem se manifestar no esporte educacional,
no nascimento do esporte na criança. Os professores de Educação Física conhecem
tais princípios, entretanto, precisam compreendê-los melhor. O estranhamento no
esporte pode ser muito forte na formação inicial das crianças, que poderia
conduzi-las à passividade da mera torcida pelos colegas considerados mais
“aptos”. Tais divisões e fragmentações estranham as possibilidades educacionais
no esporte e precisam ser revistas pelos professores.
O individualismo e a
hipercompetitividade precisam ser constantemente combatidos. São expressões
máximas e esdrúxulas que se deseja negar numa sociedade efetivamente fraterna e
democrática.
As manifestações da individuação
(indivíduo em ação) e da competição a favor e não contra o humano devem ser
incentivadas e promovidas de forma didática e educacional, garantindo-se a
permanência de valores éticos no decorrer da vida.Bracht (1992), advogando
princípios de uma pedagogia crítica para a área, enumera as seguintes posturas:
“Os professores de Educação Física
precisam superar a visão positivista de que o movimento é predominantemente um
comportamento motor. O movimento é humano, e o Homem é fundamentalmente um ser
social (...) precisam superar a visão de infância que enfatiza o processo de
desenvolvimento da criança como natural e não social. Fala-se da criança em si,
e não de uma criança situada social e historicamente (...) devem buscar o
entendimento de que, o que determinará o uso que o indivíduo fará do movimento
(na forma de esporte, jogo, trabalho manual, lazer, agressão a outros e a
sociedade etc.) não é determinado em última análise, pela condição física,
habilidade esportiva, flexibilidade, etc., e sim pelos valores e normas de
comportamento introjetados, pela condição econômica e pela posição na estrutura
de classes de nossa sociedade (...) Superar a falsa polarização entre
diretividade e não-diretividade (...) um outro equívoco que precisa ser superado,
é o de que devemos simplesmente ignorar a cultura dominante, que nesse
entendimento não serve à classe dominada” (Bracht, 1992, p. 65).
Ao superar uma série de
condicionamentos pertinentes à formação tecnicista em Educação Física, os
professores precisam entender que o esporte educacional e escolar deve ser o
esporte da escola e não o esporte na escola.Da escola, por ser próprio de cada
manifestação individual e coletiva, por ser próprio de cada localidade e
principalmente, por carregar a perspectiva da autonomia. Não deve ser um
esporte na escola, isto é, um esporte de rendimento, olímpico e de treinamento,
injetado na escola por determinação de uma dada cultura dominante, televisiva e
mercadológica.As interfaces entre o esporte na escola e o esporte da escola
tornam se visíveis na medida em que o esporte puder ser democratizado, isto é,
ensinado a todos. Reafirma-se a idéia de que não há por que ser contra o
esporte de rendimento, afinal ele tem um porquê e um para quê, além do para
quem de sua existência.Assim, as divisões entre Educação Física escolar e
não-escolar contribuem para uma visualização da cultura corporal de forma
ampla, complexa e dialética. Todas as manifestações dos jogos, das
brincadeiras, do esporte, da dança, das lutas, da capoeira e de inúmeras formas
de movimentar-se estão presentes nestas duas subáreas. Ocorre que as mudanças
neoliberais da década de 1990 imputaram à educação formal um sentido restrito à
Educação Física. Soma-se a isso o abandono e o sucateamento dos espaços
públicos, dos equipamentos e da qualidade profissional que não pode ser imposta
por um simples registro, mas deve ser formulada e articulada historicamente.
A atual estrutura do Ministério do
Esporte está baseada na Constituição brasileira.
As divisões do Esporte e a constituição
de um Ministério próprio com três Secretarias (Educacional, de Desenvolvimento,
Participação e Lazer, e de Rendimento) ajudam a compreender o esporte como
prática social historicamente construída e culturalmente desenvolvida. As
nítidas fronteiras entre as três dimensões do esporte foram resultado das
mudanças processadas na sociedade brasileira nos últimos trinta anos, bem como
das mudanças internas na área de Educação Física.
O Esporte Escolar é ainda restrito a
crianças e adolescentes considerados talentos esportivos, sendo dominantemente
compreendido como base para o esporte de rendimento e desenvolvido a partir
desta compreensão. Esta é uma realidade que distancia a prática do Esporte da
perspectiva educacional, gerando exclusão nas práticas escolares e desigualdade
de oportunidades, pois é um processo que já se inicia sendo oferecido para
poucos. Sabendo que no decorrer dos anos haverá exclusão e desistência por uma
série de fatores, chega-se ao esporte de rendimento com um número baixo de
talentos esportivos.
Em sua opinião, quais as principais
características do esporte educacional?
Na contra-mão desta pirâmide injusta,
busca-se o aumento do número de alunos envolvidos, a continuidade do processo
de participação esportiva na vida escolar, almejando uma educação integral,
projetando a disseminação da prática e da cultura esportiva do país.Dessa forma
apresentamos uma (re)significação da pirâmide citada (que busca talentos pela
exclusão – elementos a serem combatidos), incluindo-a dentro de um amplo bloco
de sujeitos envolvidos, o que demonstra a continuidade de um processo de ensino
e prática esportiva com elevada qualidade ao povo. Teríamos a oportunidade de
ampliar o número de praticantes de esporte, tanto de nível iniciante (1) como de
nível intermediário (2) antes de se chegar ao esporte de rendimento; nesta
lógica, com novo significado.A abertura das pirâmides, isto é, a inversão da
lógica da pirâmide anterior (triângulo) implica o alargamento de oportunidades
e novas possibilidades de vivência do esporte.Verificamos, assim, a necessidade
do aumento da prática esportiva nas escolas, por meio de um projeto de cunho
pedagógico e educacional, de competições regionais, estaduais e nacionais, de
eventos e festivais esportivos. Em outros termos, o esporte escolar olhando e
trabalhando para além da antiga e obsoleta pirâmide.
O professor Elenor Kunz, em 1994,
abordou o problema da mudança que era (e continua sendo) necessária na Educação
Física. Seu estudo de doutoramento contribuiu para processar as mudanças na
Educação Física através do tema esporte. Em sua concepção, haveria uma
transformação didática do esporte na prática do professor de Educação Física. A
idéia inicial da tese pode ser resumida em: “É uma irresponsabilidade
pedagógica trabalhar o esporte na escola que tem por conseqüências provocar
vivências de sucesso para uma minoria e vivência de insucesso ou de fracasso
para a maioria”.Desta forma, o desenvolvimento do esporte escolar seria
conduzido pela contra-mão do processo de exclusão da maioria, isto é, os
professores de Educação Física teriam que promover o esporte, ensinando-o a
todos. Seria necessário não apenas transmitir e ensinar técnicas dos esportes
com vista a competições, mas transformá-lo didaticamente. Isso inclui uma
agenda complexa que passa pela compreensão da sociedade que produz mercadorias
e chega à instituição Esporte, que também produz mercadorias. Nesse sentido,
nos dias atuais, seria impossível imaginar o esporte sem o componente
rendimento. Por isso mesmo é importante que os alunos tenham acesso a
informações sobre a mercantilização do esporte, de como ocorre a troca e venda
de imagem, produtos, atletas e tantas outras mercadorias no esporte e através
do esporte.Isso significa uma nova visão, com mais participantes, com maior
número de espectadores que entenderão mais sobre esporte e com um maior número
de pessoas envolvidas no mundo de negócios dos esportes, com uma compreensão
maior do contexto de envolvimento.Se o mais significativo no esporte escolar
são as competições pedagógicas, precisamos aprofundar mais o tema do caráter
das competições educacionais. Em primeiro lugar registra-se que a herança
militar e médico-higienista nos conformou com a idéia do esporte educacional,
necessariamente, de treinamento e rendimento de equipes esportivas como única
via de promoção de competições.Muitos cursos de Educação Física pautaram seus
currículos pelo paradigma da aptidão física, o que implicou um grande número de
horas destinadas ao estudo da anatomia, fisiologia, biomecânica e biologia
entre outros. Tais conteúdos estavam organizados por uma formação tecnicista
que, no esporte, ensinava nada mais do que gestos técnicos, fundamentos básicos
do esporte.
Em sua formação, se houve ênfase em
aspectos biológicos, você aprendeu como lidar com pessoas saudáveis e normais
ou também teve chance de saber como auxiliar alunos portadores de necessidades
especiais, com diabetes, asma, e outros problemas crônicos? O professor de
Educação Física é formado apenas para ensinar ao aluno ideal em termos físicos
e cognitivos?
Na atual realidade, as mudanças foram
significativas e, portanto, não podemos aceitar o implismo desta pedagogia, até
porque seus objetivos hoje já não são tão possíveis. Por outro lado, devemos
nos afastar do espontaneismo pedagógico que entende que a criança deve jogar de
acordo com a construção de regras livres e o professor ser um mero coordenador.
Tal perspectiva anula o papel docente e, assim, reproduzimos a lógica da
exclusão, isto é, nada ensinamos, nada efetivamente transmitimos para as novas
gerações.
Na sociedade, o esporte é um fenômeno
do senso comum. As pessoas, nos círculos de conversa familiar ou não,
reproduzem o esporte e o discurso existente na imprensa. A reprodução é uma
categoria importante para a compreensão crítica do esporte. De um lado, somos
levados à reprodução de uma série de ações, movimentos e atitudes, isto é
absolutamente normal, aliás é bom que aconteça mesmo a imitação da criança, as
cópias dos adolescentes, as imagens que registramos na juventude, etc. Mas este
é apenas um ponto de partida, pois, de outro lado, não precisamos e não devemos
sempre reproduzir ações, movimentos e atitudes. Isso pelo fato de a consciência
crítica se manifestar pelas contradições da realidade e da tirania das
circunstâncias, o que nos obriga e negar. Em resumo, a reprodução é uma
constante do afirmar, do negar e do afirmar novamente em plano
crítico-superior.Por isso as competições pedagógicas precisam ser modificadas
radicalmente e isso só ocorrerá quando houver condições próprias, materiais e
de recursos humanos qualificados, preparados para este desafio.Descrevemos a
seguir algumas características negativas na prática do esporte escolar, para
podermos compará-las com possíveis mudanças:
• O esporte escolar reforça os valores
da competição em detrimento dos valores da cooperação;• O esporte escolar
reforça o individualismo em detrimento da solidariedade;• O esporte escolar
privilegia atividades repetitivas e mecânicas em detrimento da liberdade de movimento,
da criatividade e da ludicidade;• O esporte escolar privilegia a ação
exclusivamente diretiva do professor em detrimento do diálogo e da liberdade de
expressão;• O esporte escolar desenvolve as modalidades esportivas mais
conhecidas e que desfrutam de prestígio social, como o voleibol e o basquete;•
O esporte escolar privilegia como conhecimento de determinadas modalidades
esportivas, exclusivamente a execução técnica e tática dos seus fundamentos
como o passe, o drible, a cortada, etc;• O esporte escolar reforça a idéia de
ascensão social através do esporte (cf. Souza, 1994, p. 81).
Qual seria o contraponto da
negatividade do esporte escolar e no que efetivamente os aspectos positivos se
relacionam com a política e a sociedade? Para responder esta questão, podemos
simplificar o discurso propositivo em quatro pontos e então relacionar as
pertinências da política e da sociedade:
• O esporte escolar pode reforçar a
cooperação através da educação da sensibilidade, da ética, da estética e dos
conhecimentos pertinentes à bagagem dos alunos, bem como à criatividade crítica
do professor;• O esporte escolar pode reforçar o coletivismo ensinando que
dependemos dos outros para poder atuar com mais inteligência, mais estratégia
na atividade desenvolvida;
• O esporte escolar pode encaminhar
crianças e jovens para práticas prazerosas, sem se furtar às competições
pedagógicas. O prazer pode se aliar à técnica, à disciplina e ao estudo
rigoroso sobre determinada atividade;• O esporte escolar pode desmistificar a
ascensão social de alguns atletas e disseminar um discurso democrático de que
sua existência deve ser baseada na possibilidade de ensino para todos.
A aplicação destes pontos no interior
da escola depende de um ajuste entre o professor, seus alunos, o projeto
pedagógico e também da política traçada por aqueles que detêm poder. Nesse
sentido as expectativas de uma política de esporte popular e democrática que
possa entranhar-se no seio da sociedade são grandes.
As esferas políticas, desde o governo
federal, passando pelos estados e municípios e chegando efetivamente ao coração
dos estudantes, podem relacionar-se em uma unidade política de avanço, se
compararmos com as tradições políticas de nosso país. Por fim, as dimensões do
esporte (educacional, de lazer e de rendimento) também podem criar canais de
diálogo na sociedade e é bem possível que isso venha a ocorrer, pois partindo
da inclusão social e da democratização do acesso ao esporte, cada vez mais
ficarão nítidas as diferenças no fazer esportivo e em seus respectivos
objetivos.Se todos concordam com as idéias de que o esporte, na sua dimensão
educativa escolar, deva ser regido por princípios próprios e diferenciados do
esporte de rendimento, o que dizer do esporte relacionado ao lazer? É possível
estabelecer, nas horas de folga dos trabalhadores, práticas esportivas que os
conduzam à emancipação?Se entendermos o lazer esportivo como política social,
podemos questionar o efeito de tal política, isto é, os conflitos dos setores
populares serão anestesiados, adormecidos e amenizados ou terão oportunidade de
manisfestar-se nas contradições e reivindicações vigentes? Isso implica
questionar se as políticas sociais estimulam os despossuídos e oprimidos a
novas conquistas fora o mero direito ao emprego ou se o mero direito ao emprego
e o que já existe é o suficiente.Trata-se de uma questão complexa que envolve
um certo sentido educacional, mas também pode ser vista pela ótica da
necessária redução da jornada de trabalho.
O importante é que a área de Educação
Física estabeleça o diálogo com o esporte, traçando as linhas de demarcação dos
interesses e confluências.
Nesse sentido podemos separar a
Educação Física como componente curricular, mais ligada ao conhecimento da
cultura corporal e possibilidades de vivências múltiplas e o esporte escolar
mais ligado às vivências esportivas e motoras, diversificadas e/ou
específicas.Também podemos separar a educação esportiva do esporte de base, a
primeira mais próxima do esporte escolar e das práticas de educação formal; a
segunda, relacionada ao esporte de preparação para o rendimento, realizada
preferencialmente em instituições de formação de atletas, clubes, associações
específicas de treinamento, etc.Por fim, temos que tornar verdadeiro o discurso
da inclusão. Isto significa pôr em prática as palavras mágicas do esporte
educacional e planejar aulas de Educação Física e esporte que possam expressar
com fidelidade o caráter educacional. Significa também abandonar de vez a idéia
de que a Educação Física cuida do corpo e da mente (cf. Medina, 1989).
A mentira e o ocultamento das
atividades pedagógicas não servem à sociedade, principalmente quando o autoritarismo
(e não a autoridade) se faz presente para atropelar toda e qualquer organização
democrática. Não podemos mais conviver com a falsa concepção de unidade
existente na Educação Física: a de que existe um elo entre corpo e mente que
não pode ser dissociado. Da mesma forma temos que rechaçar a famosa dicotomia
entre o corpo e a mente, ou seja, não concordar com a divisão e a fragmentação
do ser humano. Tais questões implicam necessariamente na abordagem dialética do
esporte, avançando-se em direção a uma concepção unitária de esporte, ainda
inexistente.Na mesma direção cabe fundamentar a Educação Física como componente
curricular excluindo a possibilidade de mera atividade, ou nas palavras de
Castellani Filho, “um fazer por fazer”. Isso porque já no nascimento das
possibilidades escolares, muitas vezes, há o reforço da perspectiva do “nada
fazer” do “recreio prolongado”. Tal perspectiva contribui para deslegitimar a
Educação Física no interior da escolar e, conseqüentemente, o esporte escolar
sendo tratado como acessório.As conseqüências desse arranjo respingam na
sociedade que entende que a atividade física é benéfica para a saúde e ponto.
Para além da argumentação fácil, precisamos difundir a idéia de que os
interesses de poucos estão sendo o centro do debate político sobre o esporte.
Quem não se lembra da famosa frase televisiva: “Saúde é o que interessa, o
resto não tem pressa”?
Cabe, nesse formato, inverter a lógica
do exercício físico descontextualizado e tratá-lo como conhecimento prático e
teórico. Prático, pelo fato de que a base do conhecimento é prática, aprende-se
na e pela prática, no fazer, no se-movimentar, na expressão do corpo, na
imitação dos gestos. Teórico pelo fato de que é a teoria quem generaliza a
experiência, revela questões que nem sempre estão implicadas na prática e, além
disso, contribui para atingir a consciência das necessidades dos homens,
elevando-os racionalmente e sistematizando os pensamentos da prática.
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